MvP ~ Tabita Falques

Phooka

 O toque de recolher já tinha passado, mas quem se importa? Eu sou uma filha da noite, tenho plenos direitos de caminhar sob as estrelas quando eu quiser. Pelo menos quando não tiver ninguém para contar para Quíron ou o Sr. D.  E, nesse caso, nada me impedia de sair do chalé e dar uma voltinha pelo acampamento. 
 Desde a minha última aventurazinha na floresta, eu estava com um pouco de ódio do resto dos campistas, mas nada que me impedisse de continuar a viver no meio deles. Ah, era legal morar aqui; finalmente ter um lugar para chamar de casa, e realmente um acampamento de semideuses é melhor que um orfanato. E a coisa que eu mais gostava: as estrelas. Eu podia velas claramente daqui, cada uma brilhando em uma constelação diferente. Não se via tantas estrelas em Detroit, mas aqui, onde havia pouca luz, o manto da noite brilhava com milhões em pontinhos. Eu fui até o anfiteatro, onde era um bom lugar para ficar à noite... Hum, pelo menos eu esperava que fosse. 
 
 Quando passava pelas escadas do lugar, eu notei um rastro de... Tinta? É, devia ser tinta. Essa tinta exalava um cheiro forte, e eu tive que tampar o nariz com a blusa para poder passar por lá. Mas, claro, como eu sou muito curiosa, comecei a seguir o rastro de tinta até chegar em umas caixas. Ali o odor era ainda pior, e também dava para ouvir alguns gemidos e barulhos de alguma coisa pingando no chão. Quando cheguei um pouco mais perto, notei dois olhos dourados lá no meio. Ok, eu devia ter me afastado agora, mas a curiosidade falou mais alto e a idiota aqui se aproximou ainda mais das caixas, tento espiar o que tinha ali. Nesse momento um tigre negro saltou na minha direção e eu simplesmente me joguei para o lado, com um grito de susto, tentando desviar de suas garras. Reconheci ele quase de imediato, os pelos negros, os olhos dourados, a tinta, aquilo só podia ser um phooka. Puxei a minha espada negra que brilhava com seus pontos de estrelas. Gostava daquela espada, era como se estivesse segurando um pedaço do céu. Bem, voltando ao assunto: 
- Ei! Não se ataca uma garota assim! - repreendi ele e levantei minha espada para ataca-lo, mas tentei ser um pouco mais esperta que isso.
 Assoprei, exalando um névoa branca de minha boca e dei alguns passos para trás. Minha intenção? A névoa estaria entre mim e o tigre, então para ele me atacar o mesmo teria que passar por ela, o que o deixaria tanto caso a respirasse. E eu também estava com a espada pronta para golpear ele quando me atacasse.

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Phooka

 Eu já estava pronta para atacar o monstro quando ele se explode em tinta, salpicando tudo com aquele gosma preta e exalando um cheiro que quase me fez desmaiar. O pior é que depois disso eu passei a ver dois gorilas-phooka, e, claro, acabei atacando o errado. Levantei a espada e golpeei ele, mas a lâmina corou o vazio, deixando o gorila verdadeiro livre para me atacar, e foi isso que o primata de tinta fez. A criatura me agarrou pelo pescoço e me arremessou, fazendo com que eu voasse vários metros e caísse rolando no chão duro.
 Tonta e com o corpo todo doído, levantei apenas o meu tronco para poder olhar para o monstro. Um dos braços dele explodiu mais uma vez e virou um braço de tigre... Ok, esse não está na lista de meus monstros preferidos. Então, quando ele veio para cima de mim, eu fiz uma coisa que nunca havia feito antes: desapareci. Quer dizer, simplesmente me misturei com a noite, ficando invisível e relei para a esquerda, tentando escapar do monstro que não poderia me ver. 
 Bem, se isso tudo desse certo, eu tinha uma boa ideia na mente. Completamente tonta, eu tentaria me levantar e me equilibrar para não acabar caindo de novo, então, o mais silenciosamente possível, eu taria me esgueirar para o canto e fazer minha sombra criar vida. O que eu queria com tudo isso? não faço a minima ideia, mas uma vez eu li em um livro (É, sou uma das poucas semideusas que não tem dislexia) que quando você estiver longe, faça com que o inimigo pense que você está perto; e quando estiver perto, faça com que ele pense que você está longe. Então, é isso, eu tentaria fazer a minha sombrar ficar na frente do monstro enquanto eu me aproximava por trás para golpeá-lo. Mas, qual dos três eu ataco? O fedor da tinta está tão forte que eu já estou vendo três gorilas... Hum, bem, na duvida, ataque o do meio. Então eu tentaria fazer isso, tentaria atacar o gorila que estava no meio dos outros dois com uma estocada da espada.          

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Phooka

 Eu adoro a minha vida.
 Quando as coisas começam a dar certo, sempre têm que ter um monstro maluco pra estragar tudo. Primeiro foi na floresta, eu estava lá, calma, apenas cuidando da minha vida, e então, do nada, eis que surge um papa-estrelas pra estragar tudo. Agora, um simples passeio noturno se transforma em uma batalha valendo a minha preciosa vida. Cara, é muito bom ser uma semideusa...

 Simplesmente adoro quando as coisas funcionam segundo o meu planejamento, é um sensação tão boa... Mas é melhor eu parar de pensar isso ou as Parcas vão encarar como um desafio. Ah, certo, voltando para a luta: Consegui desferir o golpe com a espada nas costas do monstro enquanto minha sombra dançava à sua frente para distrai-lo. Isso deu muito certo, bem, isso se tirarmos o fato do phooka ter se desmanchado em morcegos furiosos que me atacaram. Sério? Primeiro eu tenho meu corpo queimado por estrelas, e agora ele é todo arranhado por um bando enlouquecido de morcegos? Acho que além de ser uma filha da noite, eu atraio as coisas relacionadas a ela...
 Girei a espada em golpes cegos tentando afastar os morcegos, até que eles enfim se juntam em uma grande gosma à alguns metros de onde eu estava formando uma mulher negra com calda de escorpião. Ah, ótimo, as coisas só estão ficando cada vez melhores. A mulher sorria para mim com um sorriso assassino, e eu sorri de volta. Embainhei a minha espada e toquei uma mão no bracelete que eu trazia ao puço, fazendo que ele crescesse em uma longa corrente prateada com uma lâmina na ponta. 
- Oi, moça? - gritei para ela - Já passou da hora de dormir! 
 Fiz um movimento para trás com o braço que segurava a corrente, fazendo ela ir para trás e logo em seguida dei alguns passos rápidos na direção da criatura, apenas o suficiente para ela estar ao alcance de minha corrente. Rapidamente, tentei lançar uma esfera de energia negra na direção dela, apenas para tentar atordoá-la, então lancei meu outro braço para a frente, fazendo com que a corrente fosse lançada na direção dela. Eu sei que Prata Celestial pode queimar levemente a pele de alguns monstros, se esse fosse o caso desse, meu ataque talvez fosse mais eficaz que o planejado. O planejado seria fazer a corrente se enrolar entorno do pescoço da mulher-phooka, com o fim de os gomos de prata apetarem o seu pescoço e então eu puxaria com toda a minha força a corrente.        

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 Anotação para o futuro: Nunca mais provocar as minhas irmãs velhotas. Sério, é só a gente começar a ficar feliz e as Parcas estragam tudo. Eu juro que se um dia eu achar elas eu vou... Ah, esquece, melhor não provocar ainda mais. Hum, certo, voltando ao presente: consegui acertar uma esfera de energia escura no ombro da mulher-escorpião, fazendo ela se irritar ainda mais. Então, sem perde muito tempo, eu a ataquei com a corrente, mas dessa vez ela foi mais rápida e ela que acabou me pegando. A miss beleza me puxou pela corrente, fazendo com que eu caísse no chão próxima aos seus pés. Ela falou qualquer coisa sobre eu virar o lanchinho da meio-noite dela e me atacou com o seu ferrão. Em nome de Nyx, isso doeu mais do que qualquer outra coisa que eu já havia sentido até esse momento. Um grito abafado de dor saiu da minha boca quando o ferrão dela se cravou em minhas costelas, injetando aquela tinta horrível dentro de mim. O phooka gargalhou enquanto a dor se espalhava pelo meu corpo. 
- Você... Você é... - tentei falar, mas fui interrompida por uma careta de dor - você é a coisa mais feia que eu já vi em minha vida. - completei, me arrastando para longe do monstro. 

 Ela disse uma última frase e se transformou novamente, virando um hibrido entre tigre e gorila com chifres. Cara, o que Equidna tinha na cabeça quando criou esse monstro? Céus, eu mal podia me defender de um e ele já mudava para outro. Mesmo sem eu poder notar, os meus olhos tinham ficado cinza, uma cor que demonstrava a exaustão que eu estava. O phooka bateu no chão, fazendo tudo tremer antes mesmo que eu tivesse a chance de me levantar. Tinta tentado me arrastar para alguns metros de distancia dele, mas agora pude perceber que isso era tão efetivo quanto combate-lo com uma pistola d'água. Com esforço, me pus eu pé, ficando o mais firme que podia com o ferimento latejando. Olhando para a forma de gorila dele eu tive uma ideia, já tinha ouvido falar que gorila disputavam o controle do território com exibições de força. Bem, claro que eu nunca conseguiria intimidar um monstro desses... Mas e se o que ele ver não for bem eu? Não custa nada tentar.
- Sabe, você fala demais.  
 Me concentrei para tentar mudar a minha aparência com uma ilusão, tentando assumir alguma forma que de algum jeito pudesse assustar o monstro. E além disso, também tentei concentrar mais duas esferas de energia escura em minhas mãos, e lançar as duas na direção dele - uma visando o estomago e a outra a cabeça. E, por fim, tentaria me desviar de algum golpe dele rolando pelo chão, e então tentar acertar uma última esfera de energia em suas costas.                

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Phooka

 Coisas estranhas podem acontecer com semideuses, coisas realmente muito estranhas, mas nada se compara com o que iria acontecer comigo. 
 A parte boa: eu consegui acertar uma esfera negra no mostro, provocando mais ferimentos nele. A parte ruim: meus ossos estavam sendo moídos e eu estava criando pelos! Até fiquei feliz quando a minha esfera de escuridão acertou o estômago dele, mas logo quando eu fui tentar mais uma vez, a esfera de energia desapareceu de minha mão quando eu gritei de dor e caí no chão. Parecia que os ossos de minha perna tinham se partido, e não era só lá, as dores estavam muito piores próximas a região do ferimento. Eu já mal podia respirar de tanta dor quando senti que alguma coisa se fechava entorno do meu pescoço. Uma mão forte me levantou do chão, uma mão peluda e pegajosa. Então meu rosto foi salpicado por tinta quando a cabeça do phooka explodiu e a cabeça da mulher assumiu novamente o seu lugar. Pelas dores que estava sentindo, achei que não tivesse entendido direito o que ela falou. Eu tentei falar, mas uma pontada de dor em meu braço esquerdo fez com que eu gritasse, e quase no mesmo instante senti quando as garras de tigre do monstro me cortavam no peito e logo em seguida fui jogada para longe, caindo dolorosamente no chão.

 Minha respiração estava fraca, e só piorou quando eu olhei para uma das minhas mãos e vi garras se formando nelas. Inferno, eu não vou terminar como um monstro! "Você é um monstro!" a voz da garota do orfanato soou em minha cabeça "Você é um monstro, Tabita Falques!".
- Você tinha razão... - murmurei bem baixinho, com uma lágrima solitária de dor escorrendo no rosto enquanto pelos negros cresciam em meu braço.
"Não!" Outra voz gritou em minha cabeça, uma que parecia com a minha "Você não é e não será um!" Mas como? Como eu iria evitar isso se não podia nem ao menos me por em pé? "você sabe como." Eu sei, mas eu não posso fazer isso... Não conseguiria fazer isso... Mas eu preciso tentar. Isso já aconteceu uma vez, involuntariamente, e resultou em um gato a menos no mundo, mas eu jamais havia conseguido fazer aquilo por vontade própria. Mas agora era a hora de tentar, se eu não consegui-se, podia dizer adeus.
 Reunindo as últimas energias que me restavam, e lutando para parar de gemer de dor, eu levantei a cabeça para o phooka. Silenciosamente, eu desejei a ajuda da minha mãe; mas já sabia que isso era inútil, ela nunca me ajudou e eu não podia contar com a ajuda dela agora. Então, observando ele se aproximar, eu liberei todo o meu poder contra ele. Quer dizer, eu esperava ter feito, porque quando eu fiz isso um grito que eu não saberia dizer se era de dor ou raiva escapou de minha boca.                      

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 Eu já nem tinha mais forças para gritar. É, eu gritei, gritei muito, a dor era imensa e me fazia gritar cada vez mais. Só que depois de um tempo eu fui até ficando sem folego para continuar gritando, ficando sem esperanças de sair viva dali...
 Meu corpo já estava coberto por suor frio, cada osso parecia estar se desfazendo, o sangue fervia em minhas veias e meus músculos pareciam estar virando tinta. Então a mulher-phoka se aproximou de mim, sorrindo maleficamente vendo a minha dor. Com terror, vi o ferrão crescendo em suas costas e se erguendo, pronto para mais um golpe. E assim o fez. 
 Eu não me lembro de ter gritado, mas quando dei por mim estava me contorcendo no chão e, ainda pior, com uma perna de bode. Mas, claro, as coisas não parariam por aí. Eu mal tive tempo de visualizar a perna de bote onde antigamente ficava a minha perna, e outra dor ainda maior quase me fez desmaiar. Minha visão embaçou por alguns instantes, ou anos, e voltou apenas para ver a mulher-phooka à minha frente e a asa de morcego às minhas costas. Pelos negros, olho dourado, perna de bode, asa de morcego... Eu estou parecendo uma receita para alguma poção de bruxas - ou uma sátiro vampira. Parte de mim queria desistir, queria apenas morrer e acabar logo com tudo aquilo. Mas a outra parte, a parte que falava com a voz do meu pai, dizia que isso seria muito pior; dizia que eu não iria realmente morrer, iria me tornar apenas mais uma phooka.  
 E uma terceira voz, a minha voz, me lembrava de tudo que eu já tinha feito, tudo o que eu já tinha vivido, as coisas não podiam terminar simplesmente assim. Talvez Nyx não se importasse com o que acontecia comigo, talvez ninguém se importasse com o que acontecia comigo. Mas eu me importava. Eu não tinha chegado até aqui para terminar como mais um monstro destinado a perseguir outros meio-sangues. Aquela phooka podia ser forte, mas eu sou filha de uma das primeiras filhas de Caos. A primeira deusa do mundo. E mesmo que ela não me ajudasse, eu era parte deusa - uma parte de mim correspondia a uma deusa primordial, e era essa a parte que lutaria até o último suspiro pela vida! 
 Meus olhos mudaram de pretos para vermelhos enquanto eu me virava, dando as costas para a mulher. Apenas por um segundo eu fitei o chão manchado com tinta e meu sangue, então com um grande "Ahhhhh!" eu bati aquela asa de morcego ao mesmo tempo que girava o corpo tentando me pôr em pé. Mas não terminava por aí, em uma das minhas mãos eu tentei concentrar uma última esfera de energia obscura e terminar o giro batendo com a esfera na cara da mulher-phooka que devia estar perto de mim pelo seu último ataque.             

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 Eu só queria morrer. Morrer para que tudo aquilo terminasse. Morrer para parar de sentir tanta dor. Mas também queria viver. Viver para fazer tudo aquilo que eu tinha sonhado fazer. E eu simplesmente não iria morrer antes de comprar uma guitarra. 
 Depois dessa última ferroada, eu já começava a ter certeza que se o phooka não me matasse, eu morreria com overdose de tinta. Nem tive forças para gritar quando o seu ferrão se clavou em minha perna, apenas consegui jogar uma última esfera de energia negra que, milagrosamente, acertou no ferrão do phooka. O que aconteceu depois eu quase não vi, pois caí de cara no chão. Mas pude ouvir o som de alguém chorando e se contorcendo, então, quando olhei para frente, vi um homem pálido caído ao chão. Ele estava chorando e implorando pela vida. Tabita sua grande idiota! Será que não se lembra das aulas do acampamento? Será que não se lembra que phookas só morrem em sua forma verdadeira? Essa era a forma verdadeira do phooka: um homem albino manchado de tinta.
 Era agora, tinha que ser agora. A minha chance de mata-lo estava ali, à minha frente, bastava apenas um golpe e tudo estaria terminado. Com um esforço acima da minha capacidade nesse momento, eu tentei me levantar, mas acabei caindo encima de um joelho - o de bode -, e quase desmaiei com o esforço. Minha visão já começava a embaçar à medida que a respiração ia ficando cada vez mais pesada. Cada músculo do meu corpo gritava em protesto contra o esforço que eu estava fazendo apenas para me equilibrar. Meus cabelos ruivos estavam caídos ao redor do meu rosto, manchados e fedendo a tinta; uma mecha ocutava o meu olho dourado, deixando apenas o normal visível.
 O homem implorava pela vida, mas...
 - Desculpe, mas Nyx nunca foi conhecida pelo nome de "piedosa". 
 Com um grito desafiador, eu puxei a minha espada e desferi um último golpe no pescoço da criatura.   

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